*Polêmica Nerd* – Homem de Ferro: herói americano ou vilão capitalista?

O Homem de Ferro seria um agente do capitalismo e do militarismo americano? Ou é um exagero dizer isso?

A origem do Homem de Ferro: a invasão do Vietnã.


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Na primeira história do super-herói, o título “Nasce o Homem de Ferro” ( lançado no Brasil pela Panini e pela editora Salvat na coletânea Origens) indica a origem do Herói. O protagonista Tony Stark é mostrado em seu laboratório, protegido por segurança máxima, conversando com um general americano sobre a sua mais última invenção para os esforços na Guerra do Vietnã. Uma forte segurança e vigilância para proteger Stark mostra a sua importância para o exército americano, tal como um guarda diz ao outro: “Os comunas dariam um olho para saber no que ele está trabalhando agora!”

Tendo estabelecido a genialidade de Stark como um inventor e produtor de armas e de sua importância para os EUA durante a Guerra Fria, o gibi passa a explicar as suas credenciais como um playboy milionário, “ Anthony Stark…rico, bonito, conhecido como um playboy glamoroso, em constante companhia de belas e adoráveis mulheres…” ele é “tanto sofisticando quanto cientista! Um milionário solteiro, tão a vontade no laboratório quanto na alta sociedade!”

Stark viaja para o Vietnã onde sua tecnologia é necessária para vencer os viet-congs. Depois de uma demonstração de sua tecnologia ele cai numa armadilha, com um ferimento fatal em seu coração, e é feito prisioneiro pelos viet-congs. Seu captor, Wong-Chu – um personagem bestial, chamado de “o tirano da guerrilha vermelha” – planeja enganar Stark, o fazendo gastar seus últimos dias no desenvolvimento de uma nova arma em troca de ajuda médica. Todavia, Stark percebe o truque, “meu último ato” pensa ele, “será a derrota desse sorridente e traiçoeiro terrorista vermelho.” Auxiliado por um dos prisioneiros de Wong-Chu, o grande físico Professor Yinsen, Stark emprega sua habilidade em tecnologia na construção de uma armadura que salvará sua vida, possibilitando sua fuga da prisão.

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O clímax da história é a luta entre Stark e Wong-Chu que permite a fuga do Homem de Ferro e a vingança da morte de Yinsen. No entanto, o embate entre os dois possui uma dimensão ideológica quando o Homem de Ferro declara: “quem hoje desafia os seus desmandos e tudo o que você representa é o Homem de Ferro!”

O retorno dos artistas da Marvel para o gênero do super-herói no início da década de 60 coincidiu com o período particularmente intenso da Guerra Fria e a hostilidade entre o EUA, a União Soviética e a China Comunista em um conflito alimentado por embates indiretos e propaganda. Assim como a primeira geração de super-heróis havia se juntado na guerra ideológica contra o Eixo durante a Segunda Guerra, lutando contra caricaturas do inimigo, assim também fez os novos heróis contra representações superficiais dos soviéticos e comunistas. A própria era “Marvel” havia nascido da Corrida Espacial da Guerra Fria: os quatro astronautas que se tornariam o Quarteto Fantástico embarcam em uma viagem no espaço apesar dos perigos da irradiação. Como Susan Storm ( A Mulher Invisível) explica para o relutante Bem Grimm ( O Coisa) “nós temos que aproveitar esta chance…ao menos que queiramos que os comunas nos ultrapassem”.

Todos os Heróis da Marvel contribuíram para reforçar a propaganda americana da Guerra Fria e a sua visão sobre o “inimigo comunista”, mas nenhum deles foi tão explícito quanto o Homem de Ferro, o mais político dos Super Heróis da Marvel e o mais ardente guerreiro americano durante a Guerra Fria nos gibis. O Homem de Ferro frequentemente se engajava em batalhas que eram claramente (e de modo simplista) ideológicas por natureza : duelos entre o virtuoso ocidente e o traiçoeiro oriente.

Os líderes comunistas retratados em Homem de Ferro frequentemente são grotescos e sádicos, e mesmo os desenhos os retratam dessa forma. São descritos como tiranos, que se valem de trabalho escravo, matam inocentes e fazem a população sofrer.

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Em contraste com os “males do comunismo”, o Homem de Ferro luta em prol de sua nação. Ele é retratado como compassivo até para com os inimigos. Ao passo que os antagonistas comunistas são paranoicos e frios, desumanizados pelo caráter coletivista do seu sistema político e social, o Homem de Ferro simboliza uma solução humana e que prima pelo indivíduo.


Homem de Ferro: O herói do complexo militar industrial


Após o término da segunda guerra, Eisenhower, presidente dos EUA, em seu discurso de despedida havia alertado os americanos sobre a crescente influência e poder do complexo militar industrial americano, assegurando que isto poderia colocar em risco as liberdades civis e a democracia.

Dois anos depois, a editora Marvel lança o “Homem de Ferro”, um super herói que personificava o complexo militar industrial. Nos gibis, Tony Stark é um engenheiro e um industrialista que usa a sua armadura de Homem de Ferro para derrotar muitos vilões, incluindo os comunistas. O gibi promovia então a fusão do empreendedorismo capitalista e da tecnologia como a receita para a vitória na Guerra Fria.

Durante os anos 1960, O Homem de Ferro derrotava inimigos como Dínamo Vermelho, O Homem de Titânio e o Unicórnio ( todos eles supervilões russos comunistas), ressaltando a ideia de superioridade americana sobre a ciência e a tecnologia comunista. O gibi exemplifica como, apesar do conselho de Eisenhower, os americanos acreditavam que as inovações do complexo industrial militar eram algo agressivo, todavia necessários e até benéficos para combater o comunismo e estabelecer a hegemonia global.

Após a Segunda Guerra , a lógica de invenção e produção de armas havia mudado. Antes, as indústrias só desenvolviam e produziam artefatos bélicos em tempos de guerra, revertendo para a produção de itens civis em tempos paz. No entanto, com o advento da Guerra Fria houve cada vez mais lobby e pressão para a criação de uma indústria de guerra que inventasse e produzisse armas em caráter permanente. Desse modo, os governos começaram a fazer contratos bilionários com a iniciativa privada para o desenvolvimento de armas, resultando no crescimento e fortalecimento desta. Com a intensificação da lógica da competição armamentista durante a Guerra Fria, e sua paranóia, os americanos apoiavam cada vez mais os gastos no âmbito militar, achando que desse modo ultrapassariam a capacidade da URSS.

Tony Stark/Homem de Ferro corporificava estes anseios de um complexo militar industrial efetivo e benevolente. Stark não apenas produz armas, mas ele próprio se torna uma arma extremamente eficaz com o seu traje de Homem de Ferro, fornecendo a ideia de que o complexo militar industrial era essencial para derrotar o comunismo. As aventuras do Homem de Ferro dos gibis não apenas ecoava a convicção de que a tecnologia poderia ganhar a guerra, mas também ajudou a fortalecer essa confiança ao mostrar aos leitores o poderio e a necessidade do complexo militar industrial.

Portanto, o Homem de Ferro sem dúvida é um produto da Guerra Fria. Enquanto Tony Stark  lutava contra os comunistas no Vietnã,  ele cria seu traje após um acidente. A maneira como os gibis do Homem de Ferro retrata o Vietnã não é apenas infantil e simplista, mas etnocêntrica também. Os inimigos comunistas do Homem de Ferro são unidimensionais, traiçoeiros e cruéis.

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Com ares de messianismo, o super herói considerava uma missão libertar os camponeses vietnamitas das mãos desses tiranos. Em outras histórias, o Homem de Ferro se envolve em questões internacionais com confiança, certo de que a intervenção americana pode resolver qualquer situação.

De fato, o Homem de Ferro embarca em uma cruzada em nome do capitalismo, democracia e liberdade. Seus criadores ( como Stan Lee) o descrevem como o “O lutador campeão destemido da liberdade” e retratam Stark como possuindo as melhores qualidades do americano moderno: tolerância, ingenuidade, mente aberta e a busca pelo lucro.
As indústrias Stark estão além da dúvida e da crítica. Stark é o “milionário, inventor e manufaturador de armas” que trabalha “incansavelmente” pela “ciência e progresso”.

Embora os gibis do  “O Homem de Ferro” frequentemente exalte “the american way of life” , seus antagonistas também são a supervisão dos funcionários do governo e as críticas do jornalismo da imprensa, limites para a sua atuação tanto em seu país nativo como no exterior. Stark chega até mesmo, com a sua riqueza de milionário industrialista, a comprar uma editora de jornal para produzir propaganda e notícias favoráveis a si mesmo.

Embora o governo e a imprensa questione os métodos e a eficácia do Homem de Ferro, o gibi enfatiza que os esforços do super herói são abnegados e sinceros, visando o melhor para o país. Qualquer subterfúgio que ele pratica é apenas para manter a sua identidade secreta e para proteger a populações de perigos com os quais ela não pode lidar. Os autores retratam Stark como um gênio incompreendido, sugerindo que os americanos deveriam ter mais admiração pelas suas elites capitalistas e tecnocráticas. É como se o Homem de Ferro não quisesse ser criticado nem supervisionado, como se ele considerasse os limites para a sua atuação como incômodos e obstáculos.

Enquanto Eisenhower alertou que o complexo militar industrial era uma ameaça em potencial para a liberdade a democracia, os gibis do Homem de Ferro possuem a mensagem implícita de que a sociedade seria melhor se industrialistas militaristas do calibre de Stark tivessem mais liberdade.

Os gibis mantêm a ideia de que Stark deve ficar acima de qualquer suspeita e controle porque suas armas e tecnologia ajudarão a conter e derrotar o Comunismo.

As complexidades da Guerra do Vietnã e da Guerra Fria eram muitas, mas os gibis do Homem de Ferro as simplificavam de modo infantil. No entanto, militares , generais e até o Presidente dos EUA aparecem nos gibis exaltando a agressividade, a intervenção, as armas e apoio do Homem de Ferro na luta contra o Comunismo.
Apesar das crescentes dúvidas sobre progresso, metas e as éticas na Guerra do Vietnã, o Homem de Ferro não apenas se envolve no conflito, como também fornece a tecnologia necessária para vencer.

A glaumourização das tecnologias bélicas, das armas e da violência fazia parte da Guerra Do Vietnã. O poder de destruição das novas tecnologias embriagava os militares. Havia mesmo uma erotização das armas de guerra, e certamente o Homem de Ferro encarna este conceito, com a sua armadura viril cheia de músculos mecânicos.

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O problema é que todo o poder de fogo do exército americano gerou um sofrimento sem precedentes no povo vietnamita. Milhares e milhões de civis foram mortos de maneiras cruéis. Todavia, os autores do gibi teimosamente se recusavam a reconhecer os malefícios do poder de fogo, mesmo no que tange à estratégia. Os autores do gibi ao escreverem as histórias colocavam a culpa da destruição em massa do território e da população vietnamita nos próprios comunistas. Em uma deles, um vilão comunista deliberadamente destrói o Vietnã e coloca a culpa nos Estados Unidos, com a intenção de “manchar” a reputação do exército americano.

Milhares de Toneladas de Armas químicas e explosivas norte-americanas destruíram e incapacitaram o solo e o povo vietnamita, com sequelas gravíssimas até os dias de hoje. Todavia, os escritores do Homem de Ferro ainda colocavam o exército americano como o salvador das pessoas do Vietnã.

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A armadura de Homem de Ferro implicitamente passava a ideia de que um soldado bem intencionado poderia vestir a roupagem e o aparato militar americano e se tornar invencível. Mas ao invés deste triunfo fantasioso, a realidade que ninguém queria ver era a quantidade de veteranos americanos que se tornavam deficientes após serem mutilados no conflito.

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Sem dúvida, os gibis foram um dos responsáveis por incentivar os jovens a irem lutar e morrer na Guerra do Vietnã e da Coréia. O Homem de Ferro contribuiu para tal.

O Homem de Ferro alcançou maiores níveis de popularidade na era de Guerra ao Terror, demonstrando as maravilhas da tecnologia bélica nos três filmes. O primeiro filme inclui reflexões breves nas responsabilidades dos produtores de armas como Stark, mas apenas conclui que o mundo ficaria em perigo se estes incríveis armamentos caíssem nas mãos erradas – nunca considerando se as intervenções americanas eram corretas ou justificáveis.

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Como foi observado “ cada geração está destinado a lutar a sua guerra, a passar pelas mesmas velhas experiências, sofrer as mesmas perdas a as mesmas ilusões e assim aprender as mesmas velhas lições”. O Homem de Ferro, criado para reassegurar os americanos de sua dominância ingênua da tecnologia e sua capacidade ilimitada em propagar a liberdade, continua firme.

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Este texto é um resumo de dois artigos acadêmicos sobre o Homem de Ferro, contidos no livro “The Ages of Iron Man: Essays on the Armored Avenger in Changing Times” editados por Joseph J. Darowski, e lançado pela editora McFarland & Company.

Os artigos são:

“The Iron-Clad American: Iron Man in The 1960s ” – Brian Patton

“Ike´s Nightmare: Iron Man and The Industrial Military Complex” Will Cooley e Mark C. Rogers

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